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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Celton – O herói da capital mineira

Forma inusitada de vender revistinhas em quadrinho no trânsito de Belo Horizonte deu fama ao personagem Celton, criado para proteger a cidade.

Lacarmélio em uma rua de BH (Foto: Bruno Sena)
Lacarmélio em uma rua de BH (Foto: Bruno Sena)
O silêncio da noite é interrompido pelas sirenes policiais que soam distante. Nem sempre é possível saber o que movimenta a noite em Belo Horizonte. A única certeza é a de que, independentemente da circunstância, a cidade pode dormir tranquila. Afinal, o super-herói dos quase três milhões de moradores da capital está sempre pronto para nos defender. Seu nome é Celton. Ele já foi cientista e até se chamou Homem-Felino. Mas, hoje, o protagonista das grandes missões na metrópole de "Bêlo City" é um mecânico cujos poderes, impressionante força física e velocidade acima do normal, ficam em segundo plano. Diferente dos heróis comuns, Celton evita confusões e, com toda a cordialidade que sua origem mineira lhe proporciona, procura sempre as melhores soluções para os problemas que atormentam os seus protegidos.
Celton também é Lacarmélio. Seu uniforme extravagante, na maioria das vezes um terno amarelo, chama a atenção de todos que conseguem flagrá-lo no trânsito engarrafado. O bravo guerreiro está sempre com sua bandeira empunhada. Nos dizeres do estandarte, letras garrafais anunciam sua causa: “Estou vendendo as revistinhas que eu mesmo fiz. R$ 2,00”. E, assim, criador e criatura confundem a própria história. Ou seria estória?
Aos seis anos de idade, o menino nascido em Inhapim, região leste de Minas, já dava sinais de sua paixão pelas histórias em quadrinhos. Morava em Itabirinha de Mantena quando a família decidiu se mudar para a capital. Aos 13 anos já trabalhava como vendedor de mexerica. Foi ainda engraxate e, aos poucos, despertava o dom de conquistar os clientes nas ruas – entre um sapato lustrado e outro, o adolescente apresentava um personagem criado por ele mesmo. Os desenhos ganhavam mais sentido e expressão a cada roteiro produzido. Até que chegou o momento em que Lacarmélio sentiu que estava na hora de dar mais visibilidade ao seu herói.
Nenhuma editora quis apostar nas aventuras de Celton, nem mesmo em São Paulo. Certo de que poderia emplacar suas histórias, tentou a produção independente e convenceu a mãe a pegar um empréstimo no banco para financiar seu sonho. No entanto, as vendas da publicação nas bancas da cidade não foram suficientes. Foi quando resolveu investir naquele talento despertado lá na adolescência e passou, ele mesmo, a vender suas produções. Mas dividir essa jornada com o trabalho nas gráficas, foi a Kriptonita(Superman) do persistente sonhador. E ele deixou o País, em direção aos Estados Unidos, a terra da livre iniciativa.


Os seis meses em Nova Iorque foram longos, mas determinantes para a mudança que ocorreria na trajetória desse brasileiro. “Certo dia, parei numa banca de revistas e vi vários heróis nos quadrinhos. Cada um deles representava, de certa forma, o lugar onde morava. E pensei: quem representa minha cidade, meu país?”. Quando voltou ao Brasil, trouxe na bagagem a ideia de lançar seu trabalho no cenário da linda Belo Horizonte. Celton então ganhou mais que uma causa, conquistou leitores. Resultado de um imenso levantamento sobre a região metropolitana, o herói brasileiro se tornou um típico belo-horizontino. Seus surpreendentes desafios se passavam agora na Avenida Afonso Pena, Praça Sete, Mineirão, etc. Quem comprava a revista levava, também, um pouco da história da cidade com suas peculiaridades e folclores. Até mesmo lendas urbanas, como "Loira do Bonfim" e "Capeta do Vilarinho", ficaram ainda mais atraentes para o imaginário público depois que receberam os traços de Lacarmélio e a participação de Celton. Há quem pense até que assim surgiram essas estórias. O fato é que o suspense em torno delas na capital mineira gera burburinhos, que sobrevivem há muitas gerações.
Bendita Sogra

Capa da revista mais vendida "A Sogra Maldita"
Quem desenha, escreve, produz e vende a revistinha mais famosa de BH é o próprio autor, Lacarmélio Alfêo de Araújo. A cada dois meses, uma tiragem de 20 mil exemplares sai da gráfica para ser vendida integralmente nas ruas, mais precisamente, nas filas de carros presos em engarrafamentos dos diferentes cantos da cidade. Motoristas de táxi, de ônibus ou de carros particulares, motociclistas, pedestres, passageiroseguardas, todos são clientes da “loja” de Lacarmélio, chamada Trânsito Lento. Algumas edições logicamente fazem mais sucesso que outras. E, por isso, são publicadas novamente.  Um roteiro de HQ que narra acontecimentos envolvendo uma sogra, há muito tempo guardado na gaveta, deixou o herói mineiro impressionado. "Eu sempre quis publicar essa revistinha, mas minha mulher, Cássia, discordava. Achava que seria um fracasso uma edição que chamasse "A Sogra Maldita". Mas resolvi arriscar e, no primeiro dia, voltei pra casa com mil reais no bolso. Cássia teve que reconhecer que eu havia acertado", conta.
O contato direto com o público, as opiniões que ouve e as reações das pessoas nas ruas ajudam no desenvolvimento das aventuras. Tantas outras foram criadas quando o tema de sucesso voltou. Dessa vez,era "O Combate da Sogra com o Capeta", que ultrapassou 45 mil exemplares vendidos. Essa publicação não teve a interferência da esposa, que é quem administra a renda da família. Os cálculos feitos pela mãe do pequeno Pedro ajudaram o marido a fazer do sonho mais que um complemento financeiro – graças às revistinhas vendidas no trânsito a família vive hoje em um confortável apartamento próprio.

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